4.1. Deficit em saneamento básico
Para a caracterização do deficit em saneamento básico no Brasil foi adotada maior amplitude conceitual, conduzindo à necessidade de construção de uma definição que contemplasse, além da infraestrutura implantada, os aspectos socioeconômicos e culturais e, também, a qualidade dos serviços ofertados ou da solução empregada, conforme definição exposta na Figura 4.1.
FIGURA 4.1: Conceito de deficitem saneamento básico adotado no Plansab
Contudo, para se expressar o conceito desenvolvido em termos de variáveis de análise e sua posterior quantificação, foi necessário adotar de forma crítica os diversos sistemas de informação e bancos de dados sobre saneamento básico disponíveis no País, uma vez que a maioria é incompleta, vários são desatualizados e cada qual é concebido segundo lógica própria, fornecendo, portanto, informações sobre diferentes dimensões do deficit. Além disso, muitos deles não possuem dados de todos os municípios brasileiros, nem variáveis e indicadores apropriados para avaliação dos aspectos qualitativos da prestação dos serviços e da apropriação da tecnologia utilizada, restringindo-se, em geral, à dimensão quantitativa da oferta e da demanda dos serviços.
Neste capítulo, as informações trabalhadas foram geradas a partir de quatro diferentes origens de dados: i) as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), incluindo o Censo Demográfico de 2010, a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) de 2000 e de 2008 e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001 a 2011; ii) o SNIS de 2010, da SNSA/MCidades; iii) o Sisagua de 2010 a 2012, do MS; iv) dados da Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec), do MI, de 2007 a 2009.
Para efeito da macro caracterização do deficit em abastecimento de água potável, esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos foi operacionalizado o modelo conceitual exposto na Fig. 4.1, a despeito da fragilidade de algumas informações coletadas pelos levantamentos atuais. Essas expressam-se, por exemplo, nos dados sobre padrões de qualidade da água, na ocorrência de intermitência e racionamentos, no nível de tratamento dos esgotos, na qualidade sanitária das fossas sépticas e nas instalações para disposição de resíduos sólidos. Mesmo assim, a despeito dessas imprecisões, entende-se que o conceito inovador de deficit traz grande importância à sua real caracterização, no sentido de prover uma visão mais realista e que não se atenha apenas à infraestrutura implantada e sua dimensão quantitativa, além de possibilitar seu aperfeiçoamento ao longo da implementação do Plansab.
Dadas as suas particularidades, a abordagem do componente drenagem e manejo das águas pluviais urbanas foi desenvolvida de forma distinta, baseada principalmente na proporção de municípios participantes de pesquisas que declararam a ocorrência de problemas com enchentes e inundações nos últimos anos.
Nas demais seções, que caracterizam os quatro componentes do saneamento básico, no entanto, as diversas bases também referidas anteriormente foram adotadas visando apreender as várias dimensões do atendimento e do deficit. Além disto, o Censo Demográfico de 2010 foi extensivamente empregado, entendendo-se que este atenda plenamente o objetivo de permitir importantes comparações quando os dados são desagregados (segundo macrorregiões; urbano x rural; faixas de rendimento; faixas de anos de estudo, etc).
Em virtude do exposto, a Tabela 4.1 traz a caracterização adotada para atendimento e deficit, considerando os indicadores e variáveis existentes e passíveis de caracterizar o acesso domiciliar em saneamento básico. As situações que caracterizam o atendimento precário foram entendidas neste plano como deficit, visto que, apesar de não impedirem o acesso ao serviço, esse é ofertado em condições insatisfatórias ou provisórias, potencialmente comprometedoras da saúde humana e da qualidade do ambiente domiciliar e do seu entorno.
TABELA 4.1:Caracterização do atendimento e do deficitde acesso ao abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos
COMPONENTE (1) |
ATENDIMENTO ADEQUADO |
DEFICIT |
|
Atendimento precário |
Sem atendimento |
||
ABASTECIMENTO DE ÁGUA |
– Fornecimento de água potável por rede de distribuição ou por poço, nascente ou cisterna, com canalização interna, em qualquer caso sem intermitências (paralisações ou interrupções). |
– Dentre o conjunto com fornecimento de água por rede e poço ou nascente, a parcela de domicílios que: – Não possui canalização interna; – recebe água fora dos padrões de potabilidade; – tem intermitência prolongada ou racionamentos. – Uso de cisterna para água de chuva, que forneça água sem segurança sanitária e, ou, em quantidade insuficiente para a proteção à saúde. – Uso de reservatório abastecido por carro pipa. |
Todas as situações não enquadradas nas definições de atendimento e que se constituem em práticas consideradas inadequadas (3) |
ESGOTAMENTO SANITÁRIO |
– Coleta de esgotos, seguida de tratamento; – Uso de fossa séptica(2). |
– Coleta de esgotos, não seguida de tratamento; – Uso de fossa rudimentar. |
|
MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS |
– Coleta direta, na área urbana, com frequência diária ou em dias alternados e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos; – Coleta direta ou indireta, na área rural, e destinação final ambientalmente adequada dos resíduos. |
Dentre o conjunto com coleta, a parcela de domicílios que se encontram em pelo menos uma das seguintes situações: – na área urbana, com coleta indireta ou com coleta direta, cuja frequência não seja pelo menos em dias alternados; – destinação final ambientalmente inadequada. |
(1)Em função de suas particularidades, o componente drenagem e manejo de águas pluviais urbanas teve abordagem distinta.
(2)Por “fossa séptica” pressupõe-se a “fossa séptica sucedida por pós-tratamento ou unidade de disposição final, adequadamente projetados e construídos”.
(3)A exemplo de ausência de banheiro ou sanitário; coleta de água em cursos de água ou poços a longa distância; lançamento direto de esgoto em valas, rio, lago, mar ou outra forma pela unidade domiciliar; coleta indireta de resíduos sólidos em área urbana; ausência de coleta, com resíduos queimados ou enterrados, jogados em terreno baldio, logradouro, rio, lago ou mar ou outro destino pela unidade domiciliar.
Uma visão geral da situação do saneamento básico no Brasil é apresentada a seguir, a partir da qual são analisadas algumas variáveis que expressam as realidades e desigualdades socioeconômicas e regionais existentes no País.
A caracterização do deficit em saneamento básico e de práticas consideradas adequadas para o atendimento conduziu às condições estimadas na Tabela 4.2, para cada um dos componentes avaliados. É importante esclarecer que, apesar de as condições apresentadas na Tabela 4.2 terem sido orientadas pela caracterização conceituada na Tabela 4.1, os sistemas de informação e as pesquisas oficiais disponíveis não são suficientes para a exata correspondência dos valores com os conceitos. Por isso, foram assumidos alguns pressupostos, descritos nas notas da Tabela 4.2, para possibilitar estimativas que possam se aproximar ao da realidade. Em fases posteriores de implementação do Plansab, a caracterização mais fiel do quadro de atendimento e deficit dos componentes do saneamento básico requererá adequações nos sistemas de informações e nas pesquisas nacionais.
TABELA 4.2: Atendimento e deficitpor componente do saneamento básico no Brasil, 2010
COMPONENTE |
ATENDIMENTO ADEQUADO |
DEFICIT |
||||
Atendimento precário |
Sem atendimento |
|||||
(x 1.000 hab) |
% |
(x 1.000 hab) |
% |
(x 1.000 hab) |
% |
|
Abastecimento de água |
112.497 (1) |
59,4 |
64.160 |
33,9 |
12.810 |
6,8 |
Esgotamento sanitário |
75.369 (2) (3) |
39,7 |
96.241 |
50,7 |
18.180 |
9,6 |
Manejo de resíduos sólidos |
111.220 (4) |
58,6 |
51.690 (5) |
27,2 |
26.880 |
14,2 |
Fontes: Censo Demográfico (IBGE, 2011), SNIS (SNSA/MCidades, 2010), PNSB (IBGE, 2008).
(1)Corresponde à população atendida pelas soluções expostas na Tab. 4.1, subtraída da proporção de moradiasatingidas porparalisação ou interrupção em 2010. Uma vez que os dados sobre desconformidade da qualidade da água consumida não permitem estimar a população atingida, adicionalmente àquela que enfrenta intermitência, foi assumido que a dedução para paralisações e interrupções já abrangeria o contingente com qualidade da água insatisfatória, para todas as formas de abastecimento.
(2) As bases de informações do IBGE adotam a categoria “rede geral de esgoto ou pluvial” e, portanto, os valores apresentados incluem o lançamento em redes de águas pluviais.
(3) Embora, para efeito de conceituação do atendimento, as fossas sépticas tenham sido consideradas como solução adequada, para a estimativa de investimentos o número de fossas sépticas existentes não pode ser considerado integralmente aproveitável para a população a ser futuramente atendida. Por um lado, apesar de significativa mudança no número de fossas sépticas enumeradas pelo Censo Demográfico de 2010, observando-se uma redução relativa desta categoria em relação ao Censo Demográfico de 2000, infere-se que ainda há problemas de classificação indevida, denominando-se de fossas sépticas diferentes tipos de fossas precárias, devido a dificuldades inerentes aos levantamentos de campo, que necessitam ser aprimorados. Por outro, domicílios atendidos por fossas sépticas adequadas podem passar a contar com rede coletora de esgotos no futuro, podendo conduzir a que essas fossas sejam desativadas ou tenham seu efluente lançado nesta rede.
(4)Não se deduziu, do atendimento adequado, a população atendida com frequência de coleta inferior a dias alternados, em função da inexistência de tais informações no Censo 2010 e da limitação das informações da PNSB. Como destinação final ambientalmente adequada foram considerados os volumes de resíduos sólidos destinados às seguintes unidades: aterro sanitário, aterro controlado em municípios com até 20.000 habitantes, estação de compostagem, estação de triagem e incineração.
(5)Considerou-se destinação final ambientalmente inadequada a destinação em vazadouro a céu aberto e em aterros controlados, nesse caso em municípios com população superior a 20.000 habitantes.
Observa-se que, embora a maioria da população brasileira, em 2010, tivesse acesso a condições adequadas de abastecimento de água potável e de manejo de resíduos sólidos, o deficit ainda é bastante significativo em todos os componentes do saneamento básico e representa milhões de pessoas vivendo em ambientes insalubres e expostos a diversos riscos que podem comprometer a sua saúde. Em uma perspectiva histórica, as políticas públicas não foram capazes de propiciar a universalização do acesso às soluções e aos serviços públicos de saneamento básico de qualidade, que teriam contribuído para melhorar as condições de vida desse contingente populacional, reduzindo as desigualdades sociais, e a qualidade ambiental do País.
Uma visão geral da situação do saneamento básico no Brasil é apresentada a seguir, a partir da qual são analisadas algumas variáveis que expressam as realidades e desigualdades socioeconômicas e regionais existentes no País.